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parte 9

Em uma pujante sala, ladeada por colunas espessas de mármore branco, alternadas com altas janelas, erguia-se ao fundo dela um trono escuro, sobre o topo de um piso mais elevado e cerceado por degraus longos. Ali tentava repousar uma figura inquietante: uma moça com olhar severo, vestindo uma larga couraça reluzente negra. Seus cabelos eram loiros vivos, e tinha duas tranças que lhe caíam sobre o peito blindado. Uma meia-dúzia de soldados com armaduras negras e elmos negros, escondendo-lhes os rostos, suportavam-se de pé, como decorações estáticas, ao longo, e nas laterais, daquela sala do trono. Um tapete rubro vinha de grande distância, através de grandes portões abertos, cortando a sala ao meio e subindo as escadarias do trono, até chegar aos pés de Medessa, Lorde dos Cavaleiros Negros. Na enorme parede atrás do trono, cortinas pesadas e rubras conseguiam até esvoaçar um pouco com os ventos que circulavam naquele ambiente frio. Embora o aposento fosse bem iluminado naquela hora do dia, ainda assim tochas ardiam no topo de finos pedestais de ferro, naquela parede terminal.


MEDESSA

Quem vem lá?


Sua voz era de um grave afetado, e ressoava em toda sala. Imediatamente, um dos soldados estremece e procura por alguém vindo dos portões, porém sem nada encontrar. Então, de repente, uma voz maliciosa, alta e estridente ecoa no ambiente, sem deixar qualquer indício de proveniência:


VOZ

Que romântico castelo você tem, Ó! Rainha Negra! E que bela guarnição! Mmmm! E que delicioso vinho também é aqui servido... Pelo que provei! Ahahaha!


Era uma risada rápida e fatiada, muito irônica. A resposta veio rápido e incisiva:


MEDESSA

Que pena que não estava envenenado!


A resposta da voz demorou um pouco mais, mas veio calmamente, baixinha, como uma humilde sugestão:


VOZ

Quem sabe agora esteja?


Medessa então quase se levanta bruscamente do trono, com a mão direita tocando o cabo de uma espada de lâmina larga e retorcida como o símbolo de um raio de vértices pontiagudos.


VOZ

Já chega! Mais uma brincadeira e juro que mato você! quem quer que seja, e onde estiver!


Então, ruídos de passos começam a se fazer ouvir, vindos da entrada, e mais rápido do que se poderia esperar, surge não uma pessoa, mas duas. Uma delas, que caminhava em primeiro plano, era um selenício de estatura normal, porém era esbelto e tinha um caminhar elegante; vestia um longo manto púrpura muito escuro, o qual eventualmente esvoaçava ao vento, descobrindo em seu torso um colete escuro com diversos adornos ornamentais brilhantes, e também, destacadas mangas bufantes de um branco límpido; vestia calças e botas justas e escuras, combinando com o colete; seus cabelos eram felpudos e pretos, longos na altura do peito, mas na cabeça formavam um amplo tufo, como os de alguém ao lidar com eletricidade estática; na porção central de cabelo logo acima da testa, seus cabelos eram brancos, dando a impressão de que se tratava de um outro tufo, só que menor; seu rosto era anguloso, e tinha finas e longas sobrancelhas, e seus olhos eram estreitos e perspicazes, de um tom violeta de íris; seu nome era Jarel. Quanto à segunda pessoa, vinha logo atrás e um pouco ao lado, como que se escondendo timidamente; sua aparência não era menos extravagante: parecia uma menina de circo, era esguia e relativamente de baixa estatura, e talvez o que mais chamava a atenção eram seus cabelos esverdeados, amarrados de cada lado com grandes fitas, gerando longos rabos de cavalo gêmeos; seus olhos eram grandes e pareciam muito audazes, suas pupilas destacadas bem no fundo de írises de cor âmbar, lembrando um olhar felino, além disso, carregava um pequeno sorriso malfazejo impregnado nos lábios; as peças de roupa que usava eram escuras -- contrastando com sua pele clara --, e também eram ousadas e assimétricas, à moda punk; vestia uma jaqueta curta demais, seu ventre ficando exposto, e vestia também uma mini-saia circundada por dois misteriosos cinturões que se entrecruzavam, repletos de pequenos e estreitos bolsos; vestia também excêntricas luvas, braceletes, ombreiras de tecido, botas e meias, tudo com design ímpar, sendo que em sua perna direita, na altura da coxa e mais lateralmente, havia uma grande e sombria tatuagem ornamental; finalmente, tinha uma leve e longa capa negra; poucos realmente conheciam-na por tal imagem, e os que a conheciam admitiam que seu nome era estranho: Lêmpi. Com certeza, aquela voz maliciosa e estridente só poderia ser dela. Então, Jarel, o Mestre dos Sonhos, cuja voz era muito diferente da de Lêmpi -- ele tinha um timbre aveludado, e falava calmamente e com um tom exageradamente educado, embora não sem demonstrar um certo traço de sutil argúcia ou esperteza na fala; mas por mais que tal traço despontasse para os mais atentos, sua voz era sempre encantadora --, declara:


JAREL

Com sua permissão, minha cara Rainha Medessa, o que achou de minha discípula? Ela não é... astuta?


Medessa volta a repousar inconfortavelmente em seu trono maciço e diz, aborrecida e no final, indignada:


MEDESSA

Se era para você me presentear com algo, então que fosse algo de útil, como uma besta indomável! e não uma boba da côrte! Isso é totalmente ridículo! e é inadmissível!!


Lempi, ainda parcialmente oculta, amplia brevemente de um lado da boca seu incessante sorriso irônico, descobrindo um pequeno dente canino.


JAREL

Vossa Majestade, se eu puder lhe dar um conselho, não julgue sempre as coisas pela sua aparência. Lêmpi, minha assistente, esteve realizando proezas inusitadas recentemente, rastreando o navio pirata do próprio Príncipe Sirius, desde sua fuga das fronteiras marítimas de Pelagor até Isawardin, a Cidade Perdida -- segundo os tolos daquele Império. Minha Rainha, ofereço os serviços de Lêmpi, a fim dos Cavaleiros Negros se aproximarem furtivamente do navio, e na hora exata.


Ao que Medessa vocifera irritada:


MEDESSA

Não necessito da assistência de um ladrão! Cuide de seus próprios afazeres, Jarel...! E termina dizendo, parecendo agora bastante injuriada: E eu SEI qual é a hora EXATA para atacar!! Não fique você imaginando coisas!





JAREL

Como que entendendo a sugestão, e ficando talvez um pouco chateado, mas sempre muito elegante e comedido com a forma e seu tom de voz: Muito bem, Medessa, minha nobre Rainha Negra. E perdõe-me, por favor, pela minha insegurança pessoal. Mas eu apenas queria ouvir a sua palavra, de que os Cavaleiros Negros ainda se lembram da hora exata em que deverão realizar seu ataque, segundo nosso tratado é claro.



Então, saem todos os Cavaleiros Negros escortando através do imenso corredor para fora do Castelo dos Ventos os dois visitantes, e fechando as grandes portas, restando na sala do trono apenas Medessa, a Lorde dos Cavaleiros Negros naquele Domínio plano, cercado por amplas florestas sombrias que ela amaldiçoava sempre. Não passa um minuto de reflexão desassossegada de Medessa sobre seu trono obscuro, quando uma ventania súbita sacode violento e caoticamente as cortinas, propagando e aumentando muito as chamas das tochas. Medessa alarmada percebe uma presença escondida perto de suas cortinas, e já ia sacar sua cruel lâmina retorcida, mas logo percebe de quem se tratava; então, aborrecida mas também cansada e com ar de tédio, estica as pernas no chão, dizendo, um tanto menos tensa:


MEDESSA

Ah...! É você.


Agora as chamas cresciam nas tochas, sem vento ou explicação, e logo, toda a sala do trono adquiria uma atmosfera amarelada e levemente escarlate. Surgia então uma figura misteriosa de perto dos panos: uma moça de cabelos muito compridos, longos e lisos até o chão; a cor do cabelo não era ruiva, mas escarlate! usava uma tiara com uma estrela pontiaguda em seu centro. e vestia unicamente um longo e fino vestido branco reluzente, com mangas também muito compridas, de modo que suas mãos não eram visíveis; lembrava assim uma senhora élfica dos contos do além-mar; seus olhos eram castanhos-escuros, e suas pálbebras mantinham-se relativamente baixas, como se estivesse eternamente com sono. Seu nome era Abigail Iczysil, mas era mais conhecida como a Strega Escarlate -- ou bruxa escarlate --, e era diagnosticada como louca pela sociedade, especialmente pelas sociedades do Reino Selênico, que a tinham acolhido no passado remoto, antes de sua mente ter sido destruída e consumida pelo Caos. Iczysil então se dirige a Medessa; sua voz era doce e alongada no tempo, mas era também assombrosa, pois parecia de alguma forma desligada de todas as coisas do mundo:


ICZYSIL

Medessa, minha bela amiga... aproxima-se mais e vagarosamente, até estar quase colada ao ouvido de Medessa; a cada nova frase que evoca, sua voz é tomada de uma mágoa crescente: Você vai mesmo deixar que eles fiquem com o Septro da Neve no seu lugar? Você quer realmente ver a sua pobre e indefesa amiga de infância ser acuada, tendo de abandonar a força sua maravilhosa casinha nos campos, e vagar novamente sozinha e sem lar, desta vez por toda a eternidade, sem ninguém para ajudá-la, sem ninguém para consolá-la...? Ó, amiguinha! Você vai mesmo querer me ver assim? Ou pior, congelada e esfolada pelo gelo, sem nem mais poder chorar uma lágrima sequer...?


Medessa começava a ficar um pouco sem ar, e estava irrequieta. "Não...! Não...! Nunca...!" Respondia sem jeito, cerrando os dentes e o cabo da espada em sua mão direita; levantava-se, suando um pouco:


MEDESSA

Mas eu... preciso de sua Magia para...! Medessa é interrompida por uma brutal lufada de vento que sacode todo a sala



Instantaneamente, as chamas apagam-se, deixando um acre cheiro de cinzas no ambiente; Não havia mais qualquer indício da presença Abigail Iczysil no Castelo dos Ventos. Medessa observa, com um olhar atravessado, o céu claro e cinzento através de uma das altas janelas, e solta com a língua atrás dos dentes um áspero ruído de desprezo.




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