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parte 11

Addora e Vesta caminhavam juntas num passo acelerado, descendo a colina em que estavam, em direção a um bosque obscuro inundado por brumas brancas. Naquela direção, supostamente Vesta teria visto, por mais de uma vez em raros dias de pouca neblina, um alto morro azulado num horizonte desfocado. A donzela branca então espirra outra vez; sua condição ruim tinha evoluído rapidamente naquele ambiente inóspito, e suas mãos estavam geladas, Addora percebia. A jovem cavaleira ficava impressionada com o fato de Iris Vesta ter conseguido sobreviver sozinha até então, tendo uma saúde tão frágil; tinha aprendido a pouco que a misteriosa garota, expert em Magia Branca, tinha desenvolvido uma estratégia regular: concentrava praticamente toda sua energia num único sortilégio diário: o "chalet encantado". Dessa forma, garantia que, pelo menos, aquela fabulosa magia funcionaria razoavelmente bem nos Campos de Rhoradrus; no entanto, tal esforço de conjuração esgotava totalmente a donzela branca, e ela precisava descansar quase um dia inteiro, tempo suficiente para recarregar suas forças antes do encanto se dissipar automaticamente, e tempo suficiente para que pudesse recomeçar tudo de novo. Desse modo, não ficava mais de 10 segundos do lado de fora do chalet. Mas agora a situação era muito diferente. Addora então pergunta a Vesta, como que para ajudá-la a manter-se ativa ou lúcida:


ADDORA

Madamselle Vesta, é sempre frio assim por aqui?


Vesta espirra novamente e olha, com seu jeito monótono, para Chevalier Dota:


VESTA

Sempre. De manhã, é mais frio. A terceira manhã é ainda mais fria.


ADDORA

Terceira manhã??


Por viver em Selênia -- e naquele mundo --, Addora conhecia, evidentemente, certos dias longos que tinham duas manhãs -- isto é, ao meio-dia caía uma noite (não era um fenômeno de eclipse), e então o mesmo dia reamanhecia cerca de 3 horas depois, trazendo a luz vibrante de uma segunda manhã; a partir do que, o dia continuava normalmente. "Normalmente" para o padrão de 1 dia naquele planeta, que durava 48 horas precisamente. No entanto, Addora nunca tinha ouvido falar em "terceira manhã"; isso deveria ser uma particularidade caótica dos Ermos. Então, Vesta lhe responde:


VESTA

Sim. Pois estamos na segunda manhã agora. Mas depois, virá a terceira manhã. Óh! Pobre de nós. Vesta não... não acha que poderemos ir para muito longe, cavaleira Dota.


Addora sente um calafrio que lhe percorre a espinha; pela primeira vez desde que acordou, parecia começar a imaginar formalmente a idéia da morte. Mas logo repudiou o pensamento macabro: o problema, para ela, era atravessarem o mais rápido possível e em segurança todos aqueles bosques desconhecidos, e sem perder o ponto de referência inicial, que era a direção do morro azul denotado por Vesta -- supondo que a donzela branca tivesse razão. Addora respira fundo; queria em parte bater com a cabeça numa viga de madeira de novo, afinal, foi por causa de sua tolice e imprudência anteriores que agora corriam ambas um risco mortal desnecessário e com preparo inadequado. E, como se o frio congelante não bastasse naquela ampla baixada ou vale sem horizontes visíveis, se chegasse a noite logo ao término da segunda manhã -- o que poderia ser uma questão de poucas horas --, isso poderia trazer ainda outras formas de perigo. "Formas de perigo...!" Dota pensa. Imediatamente, leva a mão a sua bolsa presa ao cinto e retira o pequeno atlas ambiental, presente de sua inestimável amiga Cinisippe. Addora então sorri e brada, apresentando o handbook a Vesta também:


ADDORA

Ahá! Com isto, vamos descobrir rapidamente como é atravessar essa floresta!


Vesta não parecia muito impressionada ou motivada, mas concordou com o novo ingrediente do plano, embora lastimando o destino de ambas, e tremendo de frio. Disse ainda algo que perturbou Addora:


VESTA

Desculpe, cavaleira Dota. Vesta esqueceu-se de como se lê.


ADDORA

E-está bem, madamselle Vesta. Deixe-me então só consultar aqui... Addora folheava o manual em busca de fauna e flora potencialmente perigosos para selenícios. Hum...



O miniatlas ambiental dos Campos de Rhoradrus, desenvolvido pelos selenícios da distante República, era um objeto valioso e imprescindível. Aquele que buscasse nele a resposta a uma pergunta referente à temática do livro seria "linkado" automaticamente a todas as páginas relevantes à pergunta, e tais páginas trocariam de posição no livro conforme o interesse do tópico pesquisado -- algo mais "smart" do uma pesquisa do Google, por assim dizer. Desse modo, em poucos segundos, Addora já tinha em mãos um conjunto de todos os seres vivos e de todos os fenômenos naturais que poderiam ser nocivos a ela e a Vesta na trilha que tentariam seguir mais adiante. Evidentemente, Chevalier Dota não se conferiu o tempo de ler em detalhes cada elemento, porém, dada sua urgência, o sistema lhe apresentava um resumo hipermidiático -- com textos realmente sintéticos de 1 a 3 linhas, acompanhados inclusive por ilustrações e rápidos esquemas animados -- do que realmente precisava saber sobre cada coisa. Com isso, em menos de 2 minutos, Addora já tinha um amplo panorama da mata a sua frente; no total, 17 espécies biológicas e 4 fenômenos naturais potencialmente letais dada a condição em que se encontravam. Das 17 espécies (flora, fauna e mais), chamou particularmente a atenção de Addora esporos flutuantes de um fungo que provocam sono ou inflamação dos brônquios, bem como também um animal de grande porte que se assemelha a uma árvore retorcida, e que usa seus galhos fortes para prensar e esmigalhar os ossos de suas presas como se fosse uma jibóia. Além disso, havia javalis castanhos e 'tigrados' carnívoros, pequenos porém muito velozes e vorazes como piranhas, atacando em bando de até 15 indivíduos. Havia também peixes perigosos em águas paradas, bem como uma grande comunidade de rãs venenosas mortais a serem evitadas, e sua cantoria podia ser reconhecida não de muito longe. A noite, corujas gigantes de mais de 3m de altura, cujas tocas geralmente eram grandes buracos perto de rochedos no coração de florestas densas, eram predadores implacáveis; não deveriam ser encomodadas de dia inclusive. Quanto a fenômenos naturais: um deles era especialmente preocupante: a temperatura do ar seria tão baixa e o ar tão denso em algumas localidades nesses bosques profundos, que gelo começa a cristalizar lentamente nos tecidos orgânicos, de modo a destrui-los de dentro para fora, provocando o óbito do indivíduo; para evitar essa terrível forma de congelamento, era importante evitar áreas e proximidade de áreas em que a névoa seria visivelmente concentrada demais, e sobretudo, prestar atenção no padrão de circulação do ar numa dada passagem, pois névoas densas traiçoeiras poderiam se formar rapidamente em qualquer lugar em que não houvesse movimento. De modo geral, o atlas apresentava diversas maneiras de se abster dos problemas ou, pelo menos, mitigar seus efeitos; algumas soluções eram óbvias porém vitais, enquanto que outras necessitavam de alguma técnica mais sofisticada, quando não algum equipamento de viagem ou mesmo alguma substância adquirida no próprio meio natural. Uma curiosidade para Addora, era que os ciclos de vida e morte naquele ambiente lhe eram totalmente estranhos; eram ciclos com uma velocidade alucinante, apesar do tamanho de alguns seres vivos.

Finalmente, Addora fecha o miniatlas, relativamente satisfeita, e o guarda no bolso mágico novamente, pedindo desculpas a Vesta pelo tempo despendido. Vesta, por sinal, tinha tentado acompanhar a leitura do livreto -- ao seu modo, é claro, observando as imagens. A ciência empregada na confecção do miniatlas ambiental era tão sublime, na realidade, que mesmo Vesta tinha aprendido muito mais sobre o ecossistema dos bosques de Rhoradrus do que se poderia supôr. É por isso que ela então surpreende Chevalier Dota, ao se afastar um pouco dela para realizar um sortilégio inusitado.


ADDORA

Madamselle Vesta? O-o que está fazendo?


VESTA

Addora, se você diz que no topo do monte ao longe não é frio como aqui, então, este encantamento guiará você pelo caminho mais seguro, e de acordo com o que Vesta aprendeu com você.


Por um momento, Addora fica sem entender claramente o que aquilo tudo significava, mas logo percebe o que a excêntrica pessoa de Vesta queria realmente dizer com "este encantamento guiará você pelo caminho mais seguro"; como se estivesse dizendo adeus ou algo similar. Terminada a conjuração, um ponto de luz branca e ofuscante, suspenso no ar acerca da altura da cintura, surge a frente de Chevalier Dota, e, como uma fina corda de seda suspensa e luminosa, aparece instantaneamente esticada daquele ponto, seguindo em diante até desaparecer nas profundezas da floresta mais abaixo, o feixe contínuo descrevendo curvas sinuosas de vez em quando, e, eventualmente, com trajetórias confusas e que parecem dar voltas. Aquela foi a última ação de Vesta, antes dela desvanecer nos braços de Addora, num sono muito profundo. Só então a jovem cavaleira havia entendido. "Como ela era querida", pensou Addora consigo mesma, enquanto dava um jeito de dispôr a grácil carga, sua amiga Maga Branca, em suas costas.



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